“Para ser justo, o futebol salvou minha vida. Hoje, eu poderia ser alguém que não queria ser. Poderia estar em algum lugar que não queria estar. O futebol na minha vida foi paixão à primeira vista.” Cabeça baixa, olhos perdidos no infinito, Kevin Molino lembrava tristonho dos dois irmãos que perdeu ainda em seu país natal, Trinidad e Tobago, no Caribe. "Tive seis irmãos. Perdi dois dos meus irmãos porque estavam no lugar errado, na hora errada. Foi muito duro. Em Trinidad, às vezes é difícil. Você vira a esquina e tudo pode acontecer.”

Kevin Molino é um dos maiores artilheiros do futebol norte-americano na atualidade. Marcou 29 gols pelo Orlando City em 2014. Após quebrar o recorde histórico de gols da temporada regular da liga USL PRO (20), foi eleito o jogador mais valioso da competição. Dentro de três meses, Molino vai estrear na principal liga de futebol dos Estados Unidos e do Canadá, a Major League Soccer (MLS). Aos 24 anos, já é um dos jogadores mais promissores da liga, antes mesmo do primeiro jogo. Um fenômeno quase inacreditável para um menino que parecia sem rumo 12 anos atrás.
“Eu nasci em Carenage. Cresci com muitas dificuldades. Quando eu tinha 12 anos de idade, minha mãe acabou decidindo vir para cá e viver em Nova York. Então, eu e meus irmãos tivemos que nos virar, porque meu pai havia morrido. Nós vivíamos uma vida de futebol, jogando em qualquer lugar, sonhando nos tornar alguém de sucesso. Eu cresci e o que mais quero é me manter acordado, nunca me esquecer de onde vim e continuar trabalhando para chegar a outro nível”, disse Molino, que decidiu seguir o conselho de uma das avós.
“Minha avó sempre foi apaixonada por esporte e ela me dizia que eu tinha que ser uma pessoa diferente. Buscar um outro nível. E que o futebol iria me levar a algum lugar melhor”, contou ele, emocionado. “Eu segui todos os conselhos positivos que recebi. Levei muito a sério. Por isso é que não fui parar no lugar errado.”
Molino é herói da classificação de Trinidad e Tobago para a Copa Ouro
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Para o menino franzino Kevin, o lugar certo era qualquer lugar, desde que tivesse a bola como companheira. Jogando na rua, ele ganhou a habilidade que o tornou um dos principais jogadores da seleção de Trinidad e Tobago nos últimos anos, goleador do time nas finais da Copa do Caribe e herói da classificação para a Copa Ouro.
“Eu cresci jogando no concreto. Automaticamente, você adapta suas qualidades. Joga contra pessoas mais velhas do que você. Desde que tinha seis anos de idade, jogava contra pessoas que tinham 18, 19 anos”, contou Molino. “Minha mãe me comprava um sapato e depois de uma ou duas semanas, o sapato estava rasgado. Muitas vezes eu chegava tarde, 9, 10 da noite, porque estava jogando bola e o treino era só das 8 às 10 da manhã. Eu tinha aquela paixão pelo futebol e nada mudou. Tenho a mesma mentalidade, o mesmo sentimento hoje. Se puder, treino todos os dias. Treino pesado todos os dias.”
Não fosse pela disposição em tornar-se um jogador mais eficiente, Molino jamais teria tido sucesso. Embora habilidoso, Kevin não tinha a aptidão física de um jogador de futebol moderno até poucos meses atrás. Com 1,80m de altura, ele pesava só 54 quilos quando estreou pelo Orlando City, em 2011. Marcou apenas seis gols nas primeiras três temporadas pelos Lions. Hoje, 19 quilos mais forte e efetivo atleticamente, chegou à marca de 29 gols em uma só temporada.
“Quando contratamos Kevin, tivemos a possibilidade - já que a equipe era muito boa - de colocá-lo no time e deixá-lo se desenvolver, cometer erros, amadurecer com o time”, contou o técnico do Orlando City, Adrian Heath. “O jogador que vemos agora no campo e o jogador que recebemos alguns anos atrás são completamente diferentes”, comparou o treinador.
Orlando City é uma seleção graças ao técnico Adrian Heath
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Para Molino, os méritos do técnico Heath em sua incrível jornada vão muito além disso. “Adrian me ajudou muito no sentido de me tornar uma pessoa melhor, não só um jogador melhor”, afirmou Kevin, que se diz grato a todos que nele acreditaram. “Tive um técnico chamado Abul. Ele morreu. Ele me ensinou muito. Era como se fosse meu treinador pessoal. Ele me treinava todos os dias e eu não entendia o porquê dele me treinar tão duro. Hoje, eu olho para trás e tiro o chapéu para ele. Gostaria de dizer obrigado. Ele morreu, mas eu o agradeço.”
Prestes a trocar passes com um dos maiores jogadores de futebol do nosso tempo, o meia brasileiro Kaká, na temporada histórica de estreia do Orlando City na MLS, Molino é o símbolo da cultura guerreira e vencedora dos Lions. “Eu gosto de jogar um futebol atraente. Esse é meu objetivo. Procurar me divertir e não apenas adicionar gols ao meu jogo”, contou o meia-atacante. “Eu estou muito orgulhoso por ter chegado onde cheguei, mas não estou satisfeito. Quero chegar a outro nível. Amo Orlando, amo o clube e tudo o mais aqui. O que quero é jogar no mais alto nível possível.”